31.3.10

E daí que acaba?


(Por Marcelo Rubens Paiva, publicado no Estadão em 13 de março de 2010)



"Não aguento mais ouvir uma voz feminina afirmar com amargura e rancor que não quer mais se casar. As muitas seguidoras de Paulo Mendes Campos acreditam que, se o amor acaba, para que começar outro.


São aquelas que se casaram de branco, no dia mais feliz de suas vidas, apaixonadas e entregues, mas que depois enfrentaram a ira de um ciumento, as neuras de um obcecado, as fraquezas de um viciado, se envolveram com famílias alheias intolerantes, conheceram a frigidez na rotina, a traição injusta seguida pelas mentiras incabíveis, e decidiram pôr um fim no sonho de eternizar aquele instante em que tudo parecia fazer sentido, as estrelas estavam próximas, em que nasceram um para o outro e morreriam grudados, na alegria e na doença.

Aquelas que já passaram por um ou dois casamentos e mergulharam no tombo da separação, em que a decepção troca de lugar com o amor, e o futuro vira pó.

Eu não aguento mais replicar: "Se o amor nos enlouquece, imagine a loucura que é ficar sem ele."

Para aquelas que dizem não acreditar mais no amor, proponho então experimentarem outros e apostarem nesse bilhete só de ida.

Uma noite de prazer acaba. Um banquete acaba. Uma viagem inesquecível acaba. O fim de semana na ilha paradisíaca, um campeonato, o dia, o ano, o gozo, um livro, um disco, um banho de banheira acabam. Não por isso, evitamos outros.

(...)

Trégua. Que venham os clichês. Cá está o ombro para o choro da mudança de humor inexplicável e inesperada. Quer que eu apague a luz na enxaqueca? Explico com toda a paciência a regra do impedimento, quem joga contra quem, e o que significa aquele quadro no alto da tela, em que três letras, COR, vencem por 2 X 1 as três letras PAL.

Fique na cama na TPM. Trarei uma bolsa de água quente e o jantar. Sim, vamos comprar sapatos. Eu espero. Levo um livro, enquanto você experimenta a loja.

Adorei a cor do esmalte, o corte do cabelo. Batom vermelho te deixa mais bonita. Não, a calcinha não está marcando. Ah, põe o tubinho preto, se bem que gosto quando você coloca aquele vestidinho colorido. Não, o sutiã não está aparecendo.

Eu ligo para o despachante, faço um rodízio nos pneus, troco a bateria, reconfiguro seu computador, mando lavar o tapete, o forro do sofá, também adoro ele com almofadas indianas em cima.

Cuido de você na velhice, não te trocarei por uma adolescente que cheira a tutti frutti, nem pela secretária vulgar da firma, amarei a sua pele um pouco mais flácida, seus seios naturalmente instáveis, seu corpo maduro, seus joelhos frágeis. E tomaremos vinho tinto todas as noites. Prefere branco? Que celulite?

(...)

Não, mulher não é o apêndice do homem, mas a fonte original da vida e a nossa razão de ser. Não nos deixem desamparados. E aprendam com as nossas fraquezas e com todos os erros.

Amar ainda é a única maneira de convivermos com a sua delicadeza e alimentar nossa vocação de proteger e cuidar. Não façam do homem uma noite sem vento, um mundo sem gravidade. Parecemos tolos e infantis, controladores e insensíveis. Mas as amamos tanto...

Acaba mesmo? Comece outro. Antes que a amargura substitua o brilho dos seus olhos. E a pieguice, a rima e as metáforas sejam extintas."

Um comentário:

Daniela Scheifler disse...

Adorei vir aqui! :-) Só li coisas lindas, vivas e certas!

beijos, beijos